Dentro do contexto atual, este é um Congresso histórico para a instituição e o SUS.
Aqui estão representados atores sociais que fundamentam a Fiocruz como instituição de Estado, e estes devem ter voz e voto na definição dos processos e ações estratégicas da instituição. Nós estudantes da Fiocruz, defendemos que esta seja uma orientação deste congresso.
Pela primeira vez, também, estaremos aqui representados. E como pensar Fiocruz, sem lembrar daqueles que movem suas engrenagens? Esse é um espaço de construção e consolidação da participação estudantil dentro Fiocruz. Dentro do universo de estudantes com os quais cada um de vocês trabalham todos os dias, vocês verão apenas cinco deles circulando pelos espaços do Congresso como observadores, ainda assim, sem direito ao voto. Temos a tranquilidade do legado que carregamos, de que estamos inseridos em contextos históricos, o que aumenta a nossa responsabilidade. Iniciamos os trabalhos com a clareza de que cada um de vocês são representantes das pautas estudantis e percebem os desafios que hoje enfrentamos.
Avançamos com o Congresso Interno no sentido de fortalecer os processos democráticos. A consolidação da Fiocruz Nacional, passa necessariamente por viabilizar de maneira mais direta as contribuições minoritárias, de modo que as demandas de cada região do país esteja colocada nos debates das plenárias. Também não há como defender a democracia sem praticá-la nos espaços internos, sem incluir os diferentes atores, sem considerar efetivamente os estudantes e sem ouvir as unidades regionais.
Consideramos importante a leitura da tese proposta pelo conjunto de estudantes da Fiocruz e referendada pelo Conselho Nacional de Associações de Pós-Graduandos.
TESE:
Preparar profissionais para o Sistema Único de Saúde, público e universal é definitivo para os rumos do país. A continuidade de um projeto democrático passa necessariamente pela formação de novos quadros comprometidos com o desenvolvimento nacional e com a superação das desigualdades. A inclusão e permanência de populações historicamente excluídas dos processos de produção do conhecimento é estruturante para a Fiocruz do futuro.
QUESTÃO / FUNDAMENTAÇÃO
Como atuar de maneira estratégica na formação de profissionais para o SUS e para a pesquisa em saúde, considerando o caráter estrutural da renovação e ampliação de quadros de maneira inclusiva e democrática?
A presente conjuntura apresenta uma cruel contradição: ao mesmo tempo em que altas taxas de desemprego no país se reconfiguram em trabalho informal, precarizado, terceirizado, sem vínculo empregatício nem direitos trabalhistas, cresce também a demanda por qualificação profissional e pós-graduações. As políticas neoliberais de austeridade, implementadas mais fortemente pelo governo Temer, como a reforma trabalhista, o contingenciamento do orçamento público pela Emenda Constitucional 95 e os cortes de investimento em ciência, tecnologia e educação, causam um agravamento das condições de desamparo ao trabalhador. São atingidos especialmente aqueles em condições precarizadas, como os com vínculos terceirizados e bolsistas. Os pós-graduandos bolsistas das agências de fomento, por exemplo, além de terem que se sustentar com bolsas com valores defasados estão sujeitos a atrasos e cortes no pagamento. Por outro lado, parte dos pós-graduandos que não possuem bolsa tem vínculo empregatício precarizado, portanto vivem uma sobrecarga.
A Fiocruz, por meio da pós-graduação lato sensu e de seus mestrados profissionais, possui caráter estratégico na formação de profissionais comprometidos com o SUS e com a manutenção de seus princípios e de sua integridade. Proteger e assistir o aluno de pós-graduação é um ato político para garantir a continuidade do projeto da instituição, especialmente nas condições adversas de desmonte da saúde e de precarização do trabalho. Defender o pós-graduando é defender a Fiocruz e, portanto, o SUS e a saúde como direito de todos.
A pós-graduação stricto sensu, por sua vez, é a principal constituinte das dinâmicas da pesquisa científica dos quais a comunidade da Fiocruz tanto se orgulha. Sem mestrandos e doutorandos acadêmicos não há caracterização do vírus zika, não há pesquisa de doenças negligenciadas, a cadeia produtiva da Fiocruz não avança e não há como se pensar melhorias para o SUS e para a saúde brasileira. Dessa forma, a instituição precisa ter uma política institucionalizada de assistência estudantil, que garanta a continuidade do amparo e da permanência do pós-graduando, independente da conjuntura político-social e das flutuações de interesses de governos e gestões. Defender o pós-graduando é defender a ciência e tecnologia nacionais e, portanto, a soberania e o desenvolvimento do país.
O desamparo do pós-graduando, especialmente na atual conjuntura, resulta em sofrimento mental e na dessolidarização. A ausência de políticas de assistência estudantil reflete-se na formação de um perfil de estudantes elitizado e descomprometido com os interesses públicos. Dessa forma, além de fomentar a permanência é necessário permitir também que se diversifique o perfil do ingressante.
A atual conjuntura apresenta mais uma particularidade à composição da pós-graduação. As políticas afirmativas de cotas sociais e raciais, junto com políticas de inclusão ao ensino superior, como Fies e Prouni, adotadas na última década diversificaram significativamente o perfil do egresso da graduação e do potencial aluno de pós-graduação. Essas políticas também reforçam a necessidade de medidas de permanência estudantil e do aumento na alocação de recursos para garantir a qualidade dos processos educacionais.
A pós-graduação, historicamente reservada às elites financeiras e intelectuais, tem agora a possibilidade sem precedentes de diversificar seus componentes. Nós acreditamos, portanto, que é obrigação da instituição assegurar a democratização do direito à pós-graduação como forma de dar continuidade à superação dos mecanismos estruturais de manutenção das desigualdades.
Salientamos a importância de incluir nos processos de especialização profissional e de produção científica pessoas de todos os estratos sociais, gêneros, raças e etnias. Primeiro, porque uma medida inclusiva nesse sentido se refletiria na diversificação dos componentes do mercado de trabalho, do SUS e do Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS). Segundo, porque os atores que participam da ciência são constituintes do conhecimento gerado e, portanto, alteram substancialmente esses saberes. Permitir que as populações marginalizadas participem diretamente das dinâmicas de produção de conhecimento é fomentar a ciência cidadã, interessada nos problemas locais e específicos a essas populações. É, prioritariamente, defender o SUS em sua universalidade e considerar as particularidades de um país com a dimensão e diversidade continentais do Brasil.
DIRETRIZES POLÍTICO-INSTITUCIONAIS DA FIOCRUZ
Promover a assistência e a qualidade de vida dos profissionais em processo formativo que frequentam a instituição, sejam eles bolsistas, não bolsistas ou colaboradores voluntários, por meio da aprovação de uma Política Institucional de Assistência Estudantil.
Garantir o transporte dos estudantes até a Fiocruz ao permitir o acesso desses aos transportes institucionais e ao ampliar essas iniciativas.
Assegurar condições adequadas de moradia aos estudantes que necessitarem, através de seleção pública, como compromisso estrutural na formação de pessoas e de inclusão na direção romper com as desigualdades.
Subsidiar restaurantes que forneçam alimentação saudável, diversificada e de qualidade a preços populares e compatíveis às possibilidades financeiras dos estudantes da Fiocruz, como critério de licitação, contratação e cessão de espaços.
Adotar políticas afirmativas de cotas raciais e sociais para garantir a inclusão de grupos historicamente excluídos em todos os programas de pós-graduação da Fiocruz.
Assegurar vagas nas creches para os filhos das mães e pais estudantes. Especialmente para garantir que mulheres não tenham que abandonar os processos formativos devido à maternidade e evitar assim uma injustiça de gênero.
Desenvolver políticas institucionais de assistência psicológica e contra o assédio ao estudante da pós-graduação.
Garantir o fomento para comunicação científica (publicação em periódicos, participação em congressos) dos produtos e resultados oriundos das pesquisas desenvolvidas, bem como, maior transparência na alocação destes recursos.
Estruturar os processos administrativos relativos aos estudantes, como aqueles de desligamento e corte de bolsa, de modo que eles sejam imparciais, justos e não vexatórios. Que haja transparência em processos públicos e democráticos.
Vincular os e-mails dos estudantes da Fiocruz à lista L para que todos recebam notícias institucionais, inclusive aquelas referentes às condições de segurança dos campi. Conceder a cada estudante um e-mail funcional com domínio da unidade a qual é vinculado.
Garantir representatividade estudantil democrática nas instâncias de gestão da instituição. Assegurar o direito a voto paritário da classe dos estudantes nos processos institucionais eleitorais e deliberativos.
Superar a médio e longo prazo todos os mecanismos de precarização da vida, como comprometimento inalienável das instituições de saúde.
Regulamentar os diferentes vínculos de trabalho do pós-graduando e atentar-se aos diferentes processos em que estão inseridos, tais como exaustivas jornadas e condições de trabalho permeadas por várias classes de risco.
Reafirmar seu compromisso institucional de defesa dos pós-graduandos frente às políticas públicas e ações dos órgãos de fomento, indução e estruturação da pesquisa no país e nos estados nos quais a Fiocruz está presente.
Esperamos sair desses quatro dias de debates com uma Fiocruz ainda mais unida e forte na defesa do SUS, como comprometimento com a superação das desigualdades.